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Como se tornou um lingüista aplicado? An Interview with Francisco Gomes de Matos

ENTREVISTA

An interview with Professor Francisco Gomes de Matos

1- Como se tornou um lingüista aplicado?

Vários fatos contribuíram para isso: primeiro, minha ida a Ann Arbor, no outono estadunidense de 1955, participar, como bolsista, do International Teacher (of English) Development Program, na University of Michigan. Ali, "descobri" a Lingüística, através de aulas ministradas por um dos grandes pioneiros da Lingüística Descritiva do Inglês e precursor da Lingüística de Corpus: Charles C. Fries. Fui aluno-ouvinte da disciplina por ele ministrada: Introduction to Linguistic Science. Fui selecionado para ir a Michigan por causa de minha atuação como professor de inglês (ensinava no Centro Binacional local e em colégios, além de ter alunos particulares) e de ter concluído o Curso de Letras Anglo-Germânicas. Claro que minha proficiência em inglês ajudou muito também: eu aprendi inglês "de ouvido" em minha pré-adolescência, escutando pessoal militar americano, na Rua da Aurora (morávamos num casarão), onde havia o Silver Star, um bar freqüentado por falantes de inglês americano. Essa experiência de "learning by listening", na interação com militares (às vezes eu era convidado para ver filmes, sem legendas), me tornou (falante e ouvinte bilíngüe) e me animou a investir mais em meu conhecimento do idioma, principalmente através da leitura de revistas e da audição das emissoras de rádio internacionais que transmitiam em inglês, dentre as quais a Voice of America e a BBC. Saber falar inglês possibilitou minha obtenção, no Recife, de meu Certificate of Proficiency in English, pela Universidade de Michigan. Ter sido aluno de Fries me fez descobrir a Lingüística, mas foi no convívio com Robert Lado que percebi a importância da Lingüística Aplicada para o Ensino de Língua Inglesa. Aliás, nosso relacionamento foi tão bom que ele me perguntou se eu não gostaria de voltar e fazer um Mestrado. Esse sonho se concretizou em 1959, quando, de fato, regressei a Ann Arbor, na condição de meio-bolsista da Fulbright (custearam minha passagem aérea) e de "teaching-fellow" (na época, esse era o estágio inicial de uma carreira acadêmica), no English Language Institute da University of Michigan. No ELI, fiz de (quase) tudo um pouco: trabalhei na Testing and Certification Division, dei aulas de Pattern Practice a alunos estrangeiros e de Português a docentes do ELI que estavam interessados no Brasil, ajudei a fazer empacotamento da revista Language Learning, publicação pioneira na área da Lingüística Aplicada e na qual estreei como resenhador/reviewer em 1962, com a resenha do Book 1 da série didática English for Today (do National Council of Teachers of English: na época ainda não tinha sido criada a TESOL).

Para resumir, graças à dupla influência recebida de Fries (com quem aprendi a gostar de Lingüística) e de Robert Lado (com quem aprendi a gostar de Lingüística Aplicada) comecei a me imaginar "lingüista aplicado" com formação pós-graduada pela Universidade de Michigan. Devo dizer, entretanto, que foi em 1953, em um seminário para Professores de Inglês (no Recife), que tomei conhecimento da Lingüística e de suas possibilidades aplicativas. Uma de minhas primeiras leituras foi o manual Language Teaching, de Edwin Cornelius (posteriormente autor de séries para ensino de inglês), distribuído gratuitamente aos participantes do encontro. Posso dizer, então, que oficialmente, iniciei minha carreira como lingüista aplicado em 1961, após o Master of Arts degree in Linguistics, pela University of Michigan. Como ainda não havia ensino de Lingüística no Curso de Letras da UFPE, fui dar aulas de inglês na Escola de Geologia: fiz assim um pouco de "English for specific professional purposes" e ajudei futuros geólogos a lerem textos em sua maioria americanos. Só a partir de 1963 iniciei meu magistério universitário de Lingüística, na UFPE (Recife) e na UFPB (João Pessoa). Em minhas aulas, costumava vender o "peixe" das aplicações da ciência da linguagem, não só ao ensino de inglês como de português (materna e estrangeira). Essa atividade foi mantida até 1966, quando minha família se transferiu para São Paulo, mas isso é outra parte da história....

Se quisesse resumir, em poucas palavras, minha resposta à sua pergunta inicial, diria o seguinte: De professor de inglês e também de português como línguas estrangeiras, me tornei lingüista aplicado, profissão sustentável até hoje.

2- Como foi o início da Lingüística Aplicada no Brasil?

Pergunta de vasto alcance, que mereceria comentários extensos, minuciosos. Aliás, escrevi para a saudosa Revista Cultura Vozes, dois relatos cronológicos: 10 Anos de Lingüística Aplicada no Brasil (1966-1975) e Mais 10 Anos de Lingüística Aplicada no Brasil (1976-1985). O início pode ser entendido em dois sentidos: iniciativas precursoras de caráter pessoal e atividades institucionalizadoras. Assim, dizer como começou a LA no Brasil é, primeiro, reconhecer o pioneirismo de várias pessoas, dentre as quais Maria Antonieta Alba Celani, Augustinus Staub, Geraldo Cintra, Margot Levi Mattoso, Maria do Amparo Barbosa, John R. Schmitz (nos conhecemos no Primeiro Seminário Brasileiro de Orientação Lingüística para Professores, no Rio, em julho de 1965, quando aquele jovem lingüista aplicado americano resolveu fazer do Brasil sua nova pátria...), Ernest Garon...A.J.Hald Madsen...

Dos mencionados, Antonieta, Margot, Maria do Amparo também estudaram em Ann Arbor...Daí, percebe-se a influência da LA praticada em Michigan, na formação de alguns dos primeiros lingüistas aplicados no Brasil. Além dessa contribuição precursora pessoal dos citados, há o início institucionalizado da LA. Nesse caso, há dois acontecimentos que podem ser considerados marcos na história da referida área entre nós: a fundação do Centro de Lingüística Aplicada do Instituto de Idiomas Yázigi no dia primeiro de março de 1966, em São Paulo, por recomendação do PILEI - Programa Interamericano de Lingüística y Enseñanza de Idiomas, com apoio da Fundação Ford. Coube a mim, assumir a direção desse Centro, no qual permaneci até dezembro de 1979.

Vale registrar que, no CLA-Yázigi, contei com a inestimável colaboração de três lingüistas aplicados: Geraldo Cintra, Maria do Amparo Barbosa e Adair Palácio. Dentre as ações desse Centro, muito contribuíram para divulgar a LA seus Seminários Brasileiros de Lingüística, realizados em várias capitais do país. Através desses encontros, professores universitários e de primeiro e segundo graus tomavam conhecimento dos possíveis benefícios de aplicações da ciência da linguagem à problemática da educação lingüística. Vivia-se, então, a fase que na literatura da anglofonia, convencionou-se chamar de "Linguistics applied".

O segundo marco, nessa história inicial da LA, foi a surgimento do pioneiro Programa de Pós-Graduação LAEL - Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas - na PUC-SP, em 1969, no qual atuam alguns dos mais importantes lingüistas aplicados do Brasil, como Antonieta, Leila Barbara e você, Tony, para mencionar apenas três da valorosa equipe Laelense. Eu mesmo, graças à bondade divina, partilhei desse empreendimento acadêmico inovador, pois trabalhei como professor de tempo parcial na PUC-SP a partir de 1966. Fui duplamente privilegiado em minha experiência no LAEL: ali pude continuar a fazer LA, no ensino pós-graduado, e a receber orientação de Antonieta para meu doutoramento Puquiano em 1973, quando defendi tese sobre A influência de princípios da Lingüística em manuais para professores de inglês de 17 países. Dessa pesquisa resultou meu livro Lingüística Aplicada ao Ensino de Inglês, publicado pela McGraw-Hill/SP, em 1976. Esses dois acontecimentos foram estratégicos para o início oficial da Lingüística Aplicada no Brasil e graças a Deus e à minha estada em São Paulo, fui partícipe dessa fase de implantação oficial da LA no Brasil. Em suma, o início não-oficial ocorreu através da atuação de vários pioneiros, em suas instituições universitárias e não-acadêmicas; o início oficial da LA se deu através da criação do CLA-Yázigi e, três anos depois, do LAEL-PUC-SP. Lembro, a propósito de 1969, que em janeiro desse ano, fundou-se em São Paulo, a ABRALIN - Associação Brasileira de Lingüística que teve em seus primeiros associados, vários lingüistas aplicados (fui um dos co-fundadores), acolhendo-os efetiva e afetivamente, até a fundação, em1990, em Recife, da ALAB/Associação de Lingüística Aplicada do Brasil, da qual tenho orgulho de ser co-fundador.

3- Como foi seu estágio na Universidade de Michigan com Charles Fries e que impacto isso teve no seu retorno ao Brasil?

Creio já ter respondido essa pergunta, mas gostaria de acrescentar algo, para deixar maior clareza: em Ann Arbor, tive o privilégio de ser aluno-ouvinte de Fries, em 1955. Meu convívio com aquele grande precursor e com seu então "braço direito", Robert Lado, mudou o rumo de minha vida profissional: até chegar em Michigan e conhecer o trabalho pioneiro do English Language Institute, eu era professor de inglês. Depois da experiência na "yellow and blue" (como também é conhecida aquela universidade), passei a sonhar com uma profissão adicional: a de lingüista e, claro, professor de lingüística, o que, de fato veio a acontecer, após minha segunda experiência em Ann Arbor (1959-1960), como mestrando. Nessa segunda estada, acolhido pelo meu mentor-amigo Lado, tive o grande privilégio de estudar com Kenneth L. Pike, de trabalhar os problemas de Lingüística Descritiva no livro indispensável da época, de autoria de H.A.Gleason e de me inspirar, nas magistrais aulas de Lado, pioneiro em Lingüística Contrastiva Intercultural (seu Linguistics across Cultures, editado pela University of Michigan Press em 1957, só viria a ter uma tradução brasileira 14 anos depois: Introdução à Lingüística Aplicada, pela Editora Vozes). Assim, após Ann Arbor 1955, comecei a pensar em me dedicar mais intensamente à Lingüística, o que veio a acontecer 4 anos mais tarde, com a segunda ida àquela cidade universitária. Acrescento um fato pouco conhecido, mesmo de pessoas de minha geração: após o Mestrado em Ann Arbor, Lado me convidou para ir trabalhar com ele em Georgetown University (para onde ele tinha se transferido, como Dean da School of Languages and Linguistics). Cheguei a iniciar esse doutorado lá, mas tive que regressar ao Recife, para assumir a recém-criada disciplina de Lingüística (integrante do Currículo Mínimo de Letras) e me casar com minha ex-aluna de inglês, Helen Herta Bruning. Não tivessem ocorrido esses dois fatos, talvez eu tivesse ficado em Georgetown ...., mas a vontade de Deus foi outra. Ainda voltando a falar sobre Fries: seu pioneiríssimo livro Teaching and Learning English as a Foreign Language (University of Michigan Press, 1945) foi uma de minhas leituras prediletas antes da ida a Ann Arbor. Essa inspiradora obra ainda é incluída nas referências da LA atual.Um exemplo significativo disso: o precioso volume The Oxford Handbook of Applied Linguistics (2002), organizado pelo amigo Robert B. Kaplan.

4 - Conte um pouco sobre seus interesses atuais.

Dois novos interesses viriam a somar-se aos anteriores (Aplicação da Lingüística ao Ensino de Inglês e de Português): Direitos lingüísticos e Lingüística da Paz. Minhas primeiras incursões na área de Direitos Humanos Lingüísticos (para usar a terminologia da pesquisadora-mor nessa área, Tove Skuttnabb-Hangas) datam de 1984, quando, através da Revista de Cultura Vozes (No.l 2, março, 67-71), publiquei o artigo "Por uma Declaração dos Direitos Lingüísticos Individuais". No mês seguinte, a FIPLV (Federação Internacional de Professores de Línguas Vivas, fundada em 1931), publica meu breve apelo, em inglês, intitulado A Plea for a Language Rights Declaration, até onde se saiba, o primeiro no gênero, internacionalmente. Como explicar aquele novo interesse por Direitos Lingüísticos? Duas razões: minha formação também em Direito (conclui o curso na UFPE em 1958, após Letras na mesma universidade), uma predileção por Direito Internacional (quase fui indicado Instrutor de Ensino Superior nessa disciplina em 1959, mas a ida para Michigan interrompeu o que poderia ter sido uma carreira docente em Direito Internacional...) e visitas à UNESCO (Paris), com quem mantinha contatos, através de suas Divisão de Educação e Divisão de Direitos Humanos e da Paz (hoje, o termo Democracia aparece também na designação desse setor).

Esses fatores contribuíram para que eu me dedicasse aos Direitos e Deveres Lingüísticos, campo em grande desenvolvimento, cuja missão principal é obter o reconhecimento, pela ONU, da DUDL - Declaração Universal de Direitos Lingüísticos (www.linguistic-declaration.org). Aliás, foi graças, em parte, a meu supra-citado apelo de 1984 e ao texto da Declaração do Recife (1987 - aprovado no Seminário Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Culturais, co-patrocinado pela AIMAV-UNESCO e realizado na Faculdade de Direito da UFPE, sob minha coordenação) que se desencadeou o movimento em favor da DUDL. Como os Direitos Lingüísticos constituem um território vastíssimo, tenho concentrado minhas pesquisas em Direitos-Deveres Lingüísticos e Interculturais de Alunos e Professores de Línguas. Para ter-se uma idéia do que venho realizando, sugiro a leitura de meu capítulo Second language learners´ rights, no volume Portraits of the L2 User, organizado pelo colega britânico Vivian Cook, edição da Multilingual Matters, 2002.

Um segundo e crescente interesse atual tem a ver com uma área emergente: Lingüística da Paz (veja verbete Peace Linguistics, em Penguin Dictionary of Language, second edition, de David Crystal, 1999, pp. 254-255). Como despertei para essa Lingüística Aplicada à Paz (Applied Peace Linguistics)? Em 1977, ao preparar um Posfácio ao Dicionário de Lingüística e Gramática do saudoso amigo e mentor Joaquim Mattoso Camara Jr., decidi incluir uma verbete sobre Lingüística Humana/Humanística, no qual fiz duas perguntas: De que modo podem os falantes humanizar-se ainda mais linguisticamente? e De que modo professores, alunos e métodos de ensino podem ser mais humanizados? Esse foi o embriãozinho do que viria a tornar-se uma intensa atividade intelectual, interdisciplinar, da qual já resultaram dois livros: Pedagogia da Positividade. Comunicação construtiva em Português, pela Editora da UFPE, 1996 e Comunicar para o Bem. Rumo à Paz Comunicativa, pela Editora Ave Maria, São Paulo, 2002. Para acompanhar-se um pouco do que venho fazendo nesta segunda área de atuação, sugiro visitar-se o site da Revista Ave Maria: www.avemariainternet.com.br. Ali, mensalmente, aparece minha página sobre Comunicação positiva. Para uma visão inicial do que proponho nesses livros e em oficinas e palestras, aqui no Brasil e no exterior (principalmente nos Estados Unidos), esclareço que distingo entre o COMUNICAR BEM (de maneira clara, coerente, coesa, concisa, concreta, correta, criativa...) e o COMUNICAR PARA O BEM (de maneira construtiva, cordial, cortês, compassiva....). No Google estão disponibilizados dois textos meus: Pedagogy of Positiveness Applied to Diplomatic Communication e Communicative Peace (cunhei este termo em 1993, em um artigo publicado no Sociolinguistics Newsletter). Um de meus "laboratórios" para testagem da Lingüística Aplicada à Paz é o convívio/a interação com policiais militares e civis no Curso de Policiamento Comunitário, realizado no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, na UFPE, desde a implantação dessa iniciativa, em 2001. Isso, para falar de dois de meus interesses atuais, porque a Terminologia também me atrai e, de vez em quando, faço nela incursões, principalmente nas áreas da Terminologia na Lingüística e na Literacia (Letramento, para usar o termo preferido no Brasil). Um exemplo: fui um dos Word List Reviewers da primeira edição do The Literacy Dictionary. The Vocabulary of Reading and Writing, International Reading Association, 1995 e, há pouco, aceitei convite para integrar o Conselho Consultivo Editorial que planeja a segunda edição daquele pioneiro dicionário.

5- Gostaria que você explicasse um pouco as razões dessa aproximação com a Lingüística de Corpus.

Bom, há várias razões, duas das quais bem precursoras de minha "simpatia pela Lingüística de Corpus":

1. Em 1955, durante a primeira vista à University of Michigan: tomei conhecimento do trabalho pioneiro de Fries na American English Grammar (1940), quanto à freqüência de uso de variantes gramaticais do inglês, como WILL x SHALL, CAN x MAY na comunicação epistolar de militares com seus familiares. Claro que isso me impressionou, na época, mas reconhecer a importância de trabalhar-se dados lingüísticos quantitativamente só iria ocorrer onze anos depois (1966) quando o saudoso Brasilianista James L.Wyatt (especialista em Análise Computacional), fez o levantamento do vocabulário usado no livro Modern Portuguese do qual sou co-autor, com Fred P.Ellison, Rachel de Queiroz e outros. Quando à edição-piloto seguiu-se a comercial (1971, pela Editora Knopf, New York), o correspondente Manual do Professor (Instructor´s Manual for Modern Portuguese) continha a listagem dos itens lexicais, com as respectivas freqüências de uso e distribuição nas unidades do livro. Esse pioneirismo do livro patrocinado pela Modern Language Association of America é pouco conhecido, entre os lingüistas aplicados. O trabalho de Jim Wyatt contribuiu muito para selecionar-se, com mais objetividade, as palavras a serem incluídas nos exercícios do livro. Esse tipo de pesquisa baseada em corpus me fez voltar a atenção para a dimensão quantitativa na descrição dos usos das línguas. Aquele pioneiro da Lingüística de Corpus Aplicada ao Ensino de Português a Falantes de Inglês me recomendou, em 1967, a leitura da recém-publicada Computational Analysis of Present-Day American English, de H.Kucera e W. N. Francis (editora da Brown University).

Depois desses dois pequenos impactos iniciais (nas décadas de 50 e 60), eu tornaria a reconhecer a relevância da Lingüística de Corpus, através de minhas consultas a duas gramáticas quantitativamente esclarecidas ("corpus-informed grammars"): A Comprehensive Grammar of the English Language (Randolph Quirk et alii, Longman,1985) e Collins Cobuild English Grammar (John Sinclair, HarperCollins,1990). Foi, entretanto, a partir da publicação da Longman Grammar of Spoken and Written English, de Douglas Biber et alii (1999) que eu comecei a me interessar de maneira sustentável pelos notáveis avanços na Lingüística de Corpus e a resenhar, para a Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, o Workbook que acompanha a Longman Student Grammar of Spoken and Written English (2002). Há dois anos venho trocando e-mails com Douglas Biber a respeito dessas criações pedagógicas, pois muito interesse tenho na busca de soluções para o problema de como apresentar, em sala de aula, dados quantitativos, oriundos de gramáticas baseadas em corpora. Vejo, nas contribuições da Lingüística de Corpus, um complemento importantíssimo à formação científica dos lingüistas aplicados e, por extensão, ao preparo mais objetivo de formadores de professores, professores e autores de material didáticos, para ensino de línguas.

6- Quais os debates, as controvérsias na Lingüística Aplicada atual você destacaria como importantes e relevantes?

Como acontece em todas as grandes áreas do saber/saber-fazer, a Lingüística Aplicada tem seus terrenos controversos, provocadores. Pensando bem, numa mega-área como essa, é muito natural que haja divergências, até mesmo quanto ao papel (social, político, ético, humanizador ...) dos lingüistas aplicados no mundo. Dentre as questões controversas, selecionaria a da necessidade de elaborar-se, desenvolver-se e implementar-se uma Lingüística Aplicada Crítica (Critical Applied Linguistics) que preencha, na LA, o espaço ocupado por exemplo pela Pedagogia Crítica, na Pedagogia. Em minhas leituras, percebo interpretações discordantes quanto à natureza, os objetivos, a metodologia dessa Lingüística Aplicada Crítica: assim, à perspectiva do inovador colega Alastair Pennycook, parece contrapor-se às percepções de outros eminentes e atuantes lingüistas aplicados como Alan Davies (as reflexões dele, em An Introduction to Applied Linguistics (Edinburgh University Press,1999, p.142) merecem discussão aprofundada) e Henry Widdowson. Acompanho um pouco do que vem realizando Alastair, através de seus livros instigantes e de e-mails trocados com freqüência, por isso vejo em suas propostas a intenção de cobrar dos que fazem LA uma participação mais efetiva em questões que eu prefiro chamar de humanizadoras. Alastair é um brilhante provocador e, como se costuma dizer na área de Criatividade, provocar é preciso, para produzir-se reflexões que levem a modos inovadores, transformadores da complexa realidade comunicativa em que os usuários interagem.

Outra questão, a meu ver, tem a ver com a pouca atenção dada, na Lingüística Aplicada, à própria História/Historiografia da área: venho "cobrando" isso da AILA – Associação Internacional de Lingüística Aplicada - pois não basta contribuir para o crescimento e diversificação da LA: urge documentar-se e divulgar-se o que vem sendo feito principalmente os sucessos, mas também os desafios e insucessos - na caminhada desde 1941, quando, através da fundação do English Language Institute da University of Michigan, começou-se a construir uma Tradição em Lingüística Aplicada e, mais intensamente, a partir de 1964, com a realização do primeiro Congresso Mundial da AILA em Nancy, França.

Com meu viés, em favor de uma Lingüística Aplicada à Paz, vejo a necessidade de repensar-se a formação de lingüistas aplicados, não apenas como interdisciplinaristas, mas como HUMANIZADORES, isto é, profissionais que, imbuídos dos ideais de dignidade, direitos humanos, justiça e paz, aplicam esses e outros valores humanos fundamentais em seu trabalho, em prol de pessoas, grupos, comunidades, nações e do mundo. Para isso, os Programas de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada (há outras designações, segundo os contextos acadêmicos) tem um papel estratégico, decisivo.

Creio ter respondido à sua pergunta, com base em minha experiência pessoal e na frutífera convivência com colegas da LA aqui e no exterior, em eventos diversos e eletronicamente.

7-Que outras histórias, personagens, momentos gostaria de compartilhar com nossos leitores?

Várias coisas me ocorrem, no momento:
1- A importância de ter sido professor de línguas (inglês e português), para minha atuação (posterior) como lingüista aplicado.A vivência em sala de aula muitíssimo contribuiu para eu perceber, com mais realismo, o que da Lingüística poderia ser aplicado em benefício dos alunos, onde, quando, como e por quê. Esse convívio com alunos (até 1979, no caso de meu magistério de inglês e até hoje continuado, no caso do ensino de português a estrangeiros e a policiais pernambucanos) tem sido inspirador para meu trabalho, seja de Aplicações da Lingüística (como é caracterizada a primeira fase da história da área) ou de Lingüística Transdisciplinar ("Applied Linguistics", segundo alguns colegas da anglofonia que se ocupam um pouco do desenvolvimento da AL, dentre os quais Alan Davies, Robert B. Kaplan. Ser professor de língua e lingüista aplicado é uma combinação que, em meu caso, trouxe muitos benefícios ao crescimento rumo ao que hoje prefiro chamar de Lingüística Aplicada Humanizadora. Quem tiver esse mesmo duplo privilégio profissional - docência em línguas e atuação em lingüística aplicada - deve saber valorizar tal condição e assumir, com o maior comprometimento, seu DEVER DE HONRAR AS DUAS TRADIÇÕES, ambas importantíssimas: Ensinar Línguas e Atuar, comunitariamente, como lingüista aplicado.

2 - Participar de eventos diversos, de âmbito nacional, regional e internacional, em LA, muito contribuiu para meu desenvolvimento como lingüista aplicado, por isso, enfatizo a necessidade de os lingüistas aplicados emergentes se beneficiarem, o mais possível, desses encontros, como o Congresso da ALAB, o INPLA na PUC-SP e do Congresso Mundial da AILA. A propósito deste último, queria dizer que muito me orgulho de ver uma colega brasileira, Marilda Cavalcanti (UNICAMP), como Vice-Presidente da AILA, dando sustentabilidade a uma expressiva tradição iniciada por Hilário Bohn, que na gestão anterior daquela Associação foi também Vice-Presidente.

Hoje, graças à Internet, é possível comunicar-se com alguns dos mais atuantes lingüistas aplicados daqui e de outros países, por isso, lembro aos estudantes de Lingüística Aplicada que se empenhem em concretizar tais contatos, pois a interação virtual às vezes resulta em novos conhecimentos, perspectivas inimaginadas... Assim, os lingüistas aplicados neste início de século buscam relacionar-se mais e mais com colegas de áreas afins e mesmo aparentemente distantes, pois dessa navegação inter e transdisciplinar podem surgir idéias, projetos cooperativos de âmbito mais vasto e de alcance mais profundo. A contatos por e mail devo boa parte de minha atualização em áreas afins, como Psicologia da Resolução de Conflitos, Direitos Humanos, Literacia (Letramento), Psicologia da Paz, Lexicografia/Terminologia, Tradução, Comunicação Intercultural, Descrição de usos da língua portuguesa e da língua inglesa, Metodologia do Ensino de Línguas, Elaboração e Avaliação de Material Didático, e, por último, Criatividade, agora promissoramente ressurgindo entre os lingüistas aplicados, em parte devido a obras seminais como Language Play (David Crystal,1998) e Language and Creativity (Ronald Carter, 2004).

3- Você me pergunta se quero mencionar outros personagens, neste teatro fascinante da Lingüística Aplicada, mas para fazê-lo, precisaria montar um pequeno Quem é Quem, primeiro entre nós, no Brasil, onde esse campo continua a se desenvolver de maneira tão significativa e, em seguida, em outros países. Na verdade, essa parte da história da LA certamente está ou estará sendo escrita por leitores desta entrevista, por isso, a você, leitor(a), desejo uma humanizadora atuação e, acima de tudo, muita PAZ COMUNICATIVA.

Agradeço a você, Tony, por essa privilegiada oportunidade de conceder esta entrevista. Aproveito para dizer que sou acessável - razoavelmente acessível - no e-mail fcgm@hotlink.com.br

Minha experiência como lingüista aplicado muito deve ao convívio com colegas de vários países. Aliás, enfatizo aspecto do desenvolvimento profissional. Deus me possibilitou a oportunidade de estudar/conviver com lingüistas aplicados britânicos (com Halliday, em Indiana University, em 1964), franceses (Guy Capelle, também em Bloomington, Indiana), alemães (Gerhard Nickel, em congressos da AILA), húngaros (Gyorgy Szepe, em eventos da AILA), portugueses (Maria Emilia Ricardo Marques, em encontros da AILA), Leopoldo Wigdorsky (Chile - com quem sou co-autor de um capítulo sobre Ensino de Línguas na América Latina, publicado em 1968 no volume 4 de Trends in Ibero-American and Caribbbean Linguistics), Estados Unidos (Bob Kaplan, Andrew Cohen, Diane Larsen Freeman, William Grabe, Marianne Celce-Murcia), Inglaterra (David Crystal,Vivian Cook), Suíça (Eddy Roulet), Austrália (Wilga Rivers), Moçambique (Armando José Lopes), Espanha (Manuel Pérez Gutiérrez), a lista seria longa demais...

Em suma, um conselho: internacionalize o mais que puder suas relações com lingüistas aplicados: temos muito a aprender uns com os outros, aqui e alhures. Á medida que a LA se mundialize e as contribuições oriundas de todos os continentes sejam (re)conhecidas, estaremos construindo uma lingüística aplicada verdadeiramente planetária. Toda vez que consultar um volume que se identifique como "internacional", exerça seu senso crítico e pergunte: internacional até que ponto? Haverá omissões injustificáveis de tradições nacionais em LA? Por quê?

Postscript - Em que você está engajado, desde que forneceu a entrevista no LAEL/PUC SP?

Bom, primeiramente, em Criatividade no Ensino de Inglês, aliás, título de meu livro, publicado pela Editora DISAL, São Paulo, em dezembro de 2004, com Apresentação de Antonieta Celani e 5 Epígrafes escritas especialmente para o volume, dentre as quais duas por eminentes lingüistas: David Crystal e Ronald Carter. Graças ao livro, tenho feito palestras e dado workshops (exemplo: na ACBEU, Salvador e na ABA-Associação Brasil América de Recife, da qual sou co-fundador e atual Presidente do Conselho).

Outra área a que também estou me dedicando intensamente: a de Applied Peace Linguistics. Para mostrar como lingüistas aplicados podem atuar em favor da paz, estou escrevendo poemas-apelo (poems-pleas) para inclusão em um livro que possivelmente se chamará Professions for Peace. Alguns desses textos estão disponíveis no site www.humiliationstudies.org (busque-se minha seção, Peace Linguistics). Outra atividade recentíssima: escrevi um capítulo sobre Language, Peace, and Conflict Resolution para a segunda edição do Handbook of Conflict Resolution, a sair pela editora Jossey-Bass, San Francisco. Ali, faço uma síntese de 3 abordagens americanas (centradas em comunicação) e acrescento a minha (Comunicação construtiva). Mostro como a lingüística aplicada à paz pode contribuir para estudos interdisciplinares sobre resolução de conflitos, ao lado da Psicologia da Paz e da mais recente Psicologia Positiva.
Depois que fui aposentado, pela UFPE, tenho publicado mais, principalmente na DELTA, da qual me orgulho de ser membro do Conselho Editorial. Alí, continuo a partilhar minhas Notas sobre livros importantes, daqui e do exterior. Na UFPE, acabo de ter uma experiência memorável, como organizador de um volume intitulado Vozes da UFPE -Discursos - que reúne textos da fase inicial do Reitorado Amaro Henrique Pessoa Lins e Gilson Edmar Gonçalves e Silva. Esse volume, talvez pioneiro no gênero entre nós, foi publicado pela Editora da UFPE, cuja diretora é Gilda Maria Lins de Araújo, ex-discípula da saudosa Madre Olívia.

Bom, acho que isso dá uma idéia de meus engajamentos e comprometimentos. Na ABA tenho um laboratório muito propício para outras aplicações humanizadoras, mas isso já seria outra história ....

- E sua atuação no Ensino de Línguas em geral, como vai?

Continua firme e forte. Um exemplo: acabo de escrever um artigo sobre uma problemática pouquíssimo (ou ainda não...) pesquisada no Ensino de Línguas: o Marketing. Título do texto: How are languages marketed? A Checklist. A sair em novembro no boletim FIPLV World News.Trata-se de uma listagem de itens, critérios, fatores, etc. que podem ajudar pesquisadores da área a analisarem como e por que se está fazendo o marketing das línguas. Fala-se muito em contato, difusão, mistura, escolha de línguas, mas a dimensão mercadológica ainda não recebeu um tratamento sistemático, quer intra ou interculturalmente, por isso, achei que estava na hora de fazer esse apelo internacional. Graças a isso, a revista Current Issues in Language Planning (dirigida pelo lingüista aplicado Robert B.Kaplan e publicada pela editora britânica Multilingual Matters) deverá dedicar um de seus próximos números à questão The Marketing of Languages in the Perspective of Language Planning.

Outros exemplos de minhas relações internacionais: deverei colaborar – terminologicamente - na revisão do The Literacy Dictionary, da International Reading Association e, bem recente, aceitei convite da Hague Appeal for Peace para integrar seu International Advisory Board referente à sua campanha mundial pela Paz. Como vê, são várias ações, que refletem meus engajamentos diversos... Assim, continuo sendo LEAL aos princípios e valores que aprendi a cultivar aqui no Recife, aí em São Paulo (no LAEL, onde tive o privilégio de ensinar), e alhures.

Muita PAZ COMUNICATIVA para os leitores deste Boletim!


Posted by Evelin at October 5, 2005 07:45 PM
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